Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1045/12.3TBESP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
REPARAÇÃO DE VEÍCULO
LIVRE CONCORRÊNCIA
REGULAMENTOS
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
PRIVAÇÃO DO USO
EQUIDADE
Nº do Documento: RP201406161045/12.3TBESP.P1
Data do Acordão: 16-06-2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O Regulamento CE 1400/2002, posteriormente alterado pelo Regulamento CE 461/2010 visa promover a concorrência entre oficinas oficiais ou das marcas de construtores automóveis e as oficinas independentes e, portanto, veio criar algumas excepções à regra geral de proibição de celebração de acordos verticais com a finalidade de restrição da livre concorrência.
II – Assim qualquer carro de qualquer marca, pode fazer as revisões e/ou reparações em qualquer oficina, seja ele autorizada da marca ou independente, sem que o cliente perca a validade do período de garantia.
III – Todavia, tais as excepções nunca são aplicáveis quando se trate de restrição que limite a possibilidade de um fornecedor de peças sobressalentes concorrentes vender essas peças a oficinas de reparação autorizadas.
IV – O lesante ou a Ré seguradora para quem aquele havia transferido a sua responsabilidade, não pode impor ao lesado que a reparação do veículo sinistrado se faça com recurso a peças não originais, quando não se encontre provado que elas apresentam o mesmo grau de fiabilidade e segurança.
V – O lesante deve procurar repor a situação primitiva anterior ao sinistro da forma menos onerosa que lhe for possível, todavia, não pode optar pelo menor custo da reparação, quando tal acabe por traduzir-se na não reconstituição natural, a menos que, a reparação do veículo seja excessivamente onerosa por referência ao seu valor patrimonial.
VI – A “privação do uso” não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa, uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso.
VII – Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo, se realmente a pretender usar e utilizar caso não fosse a impossibilidade de dela dispor, não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável.
VIII – Bastará, no entanto, que a realidade processual mostre que o lesado usaria normalmente a coisa, para que o dano exista e a indemnização seja devida.
IX – Concluindo-se pelo dano e não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1045/12.3TBESP.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Espinho-2º Juízo
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
Sumário:
I- O Regulamento CE 1400/2002, posteriormente alterado pelo Regulamento CE 461/2010 visa promover a concorrência entre oficinas oficiais ou das marcas de construtores automóveis e as oficinas independentes e, portanto, veio criar algumas excepções à regra geral de proibição de celebração de acordos verticais com a finalidade de restrição da livre concorrência.
II- Assim qualquer carro de qualquer marca, pode fazer as revisões e/ou reparações em qualquer oficina, seja ele autorizada da marca ou independente, sem que o cliente perca a validade do período de garantia.
III- Todavia, tais as excepções nunca são aplicáveis quando se trate de restrição que limite a possibilidade de um fornecedor de peças sobressalentes concorrentes vender essas peças a oficinas de reparação autorizadas.
IV- O lesante ou a Ré seguradora para quem aquele havia transferido a sua responsabilidade, não pode impor ao lesado que a reparação do veículo sinistrado se faça com recurso a peças não originais, quando não se encontre provado que elas apresentam o mesmo grau de fiabilidade e segurança.
V- O lesante deve procurar repor a situação primitiva anterior ao sinistro da forma menos onerosa que lhe for possível, todavia, não pode optar pelo menor custo da reparação, quando tal acabe por traduzir-se na não reconstituição natural, a menos que, a reparação do veículo seja excessivamente onerosa por referência ao seu valor patrimonial.
VI- A “privação do uso” não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa, uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso.
VII- Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo, se realmente a pretender usar e utilizar caso não fosse a impossibilidade de dela dispor, não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável.
VIII- Bastará, no entanto, que a realidade processual mostre que o lesado usaria normalmente a coisa, para que o dano exista e a indemnização seja devida.
IX- Concluindo-se pelo dano e não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.

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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, residente na …, .., .º Dto., ….-… …, Vila Nova de Gaia, veio instaurar Acção declarativa de condenação, para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, sob a forma sumária, contra Companhia de Seguros C…, SA, com sede na …, …, ….-… Lisboa, peticionando que a presente acção seja julgada totalmente provada e procedente, e em consequência ser a Ré, condenada a pagar à A. a quantia de € 23.886,26 (vinte e três mil e oitocentos e oitenta e seis euros e vinte e seis cêntimos) a título de todos os prejuízos sofridos pelo acidente ocorrido, nos termos supra expostos, bem assim, dos valores diários de paralisação vincendos e valor referente a parqueamento a pagar à D…, estes dois últimos valores a liquidar em execução de sentença, tudo acrescido de juros vincendos, à taxa legal, desde a data da proposição da presente acção até efectivo e integral pagamento, bem como a pagar custas, procuradoria e demais encargos legais.
Para o efeito alega pelas 18.50h, do pretérito dia 24/09/2011, o veículo de que é proprietário com a matrícula ..-..-RC foi interveniente em acidente de viação, no cruzamento da Rua .. com a …, em Espinho, onde foi embatido pelo veículo ..-..-MV (Renault …), propriedade de E… e conduzido por F…, que circulava pela respectiva faixa de rodagem, no sentido Sul/Norte, na lateral esquerda frente, o qual que não cedeu a passagem.
Resultante desse embate sofreu o seu veículo danos materiais e ainda os resultantes da privação do seu uso.

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Válida e regularmente citada, a Ré refere ser verdade que no dia e hora referidos na petição inicial ocorreu o aí descrito acidente de viação impugnando, contudo, a sua dinâmica.
Invoca ainda que, ao assumir a responsabilidade pelo presente sinistro, procurou proceder à reparação do ..-..-RC pelo valor orçamentado de € 1.600,63, apenas não o tendo efectuado por força da recusa da oficina D… em proceder a tal reparação, sendo, assim, apenas responsável pelo pagamento daquela quantia.
Quanto aos restantes danos alegados, afirma que são manifestamente excessivos, carecendo de qualquer documento que demonstre que os mesmos são, efectivamente, devidos.

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Foi proferido despacho saneador e dispensada a elaboração de base instrutória.

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Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.

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A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 14.196,26 (catorze mil cento e noventa e seis euros e vinte e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal, a contar desde a citação até integral pagamento.

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Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso concluindo da seguinte forma:
I. A Recorrente discorda da decisão proferida quanto à falta de prova dos seguintes factos:
a. O valor orçamentado de € 1.600,63, pela Ré inclui peças de automóvel de marca que não a do veículo sinistrado, mas que, em termos de segurança e fiabilidade, são de categoria igual às peças de origem;
b. A reparação do veículo com peças de origem ou peças da marca indicada no relatório de peritagem efectuado pelos serviços da Ré tem exactamente o mesmo efeito, não provocando qualquer decréscimo de qualidade ou desempenho do ..-..-RC.
II. Dos depoimentos prestados pelas testemunhas G… e H…, bem como da análise dos orçamentos para reparação do veículo do Apelado juntos aos autos (orçamento da D… e orçamento da Apelante, junto como doc. 1 da contestação) resultou inequívoco que a divergência entre os dois orçamentos diz respeito às marcas das peças que foram utilizadas para cada um.
III. Resultou também demonstrado que as peças de qualidade equivalente–utilizadas no orçamento da Apelante–são devidamente homologadas e certificadas de forma a terem as mesmas garantias de qualidade e segurança que as “peças de marca–Aliás, caso assim não fosse, nunca estas peças poderiam ser comercializadas!
IV. Resultou igualmente demonstrado que as peças a serem aplicadas, de acordo com o orçamento da Apelante, eram peças novas, não usadas, pelo que não existiria qualquer desvalorização no veículo do Apelado, antes uma valorização uma vez que teria a substituição de peças usadas por outras em estado novo.
V. Pelo que a decisão de facto da douta Sentença deve ser alterada, aditando-se à matéria de facto provada os dois factos em discussão no presente recurso.
VI. O Regulamento CE 1400/2002, posteriormente alterado pelo Regulamento CE 461/2010, teve por objectivo criar condições para um clima de saudável concorrência no sector automóvel, criando algumas excepções à regra geral de proibição de celebração de acordos verticais com a finalidade de restrição da livre concorrência, prevista no artigo 101.º, n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante TFUE).
VII. Do referido Regulamento resulta que, no que diz respeito a acordos verticais relativos a serviços de pós-venda (nomeadamente os serviços de reparação de veículos a motor), as excepções nunca são aplicáveis quando se trate de restrição que limite a possibilidade de um fornecedor de peças sobressalentes concorrentes vender essas peças a oficinas de reparação autorizadas (cfr. considerando 17 e artigos 4.º e 5.º do Regulamento CE 461/2010).
VIII. Nos termos do Regulamento citado, é uma restrição da concorrência proibida pelo artigo 101.º, n.º 1 do TFUE qualquer imposição ao utilizador final da obrigação de realizar todos os trabalhos de reparação e manutenção com peças sobressalentes da marca do fabricante automóvel.
IX. Assim, devem as oficinas da marca aceitar, igualmente, efectuar a reparação com peças de qualidade equivalente e não impor a reparação apenas com peças da marca, sob pena de adoptarem um comportamento anti-concorrencial, proibido pelo artigo 101.º, n.º 1 do TFUE.
X. O Regulamento CE 461/2010, bem como o artigo 101.º, n.º 1 do TFUE têm aplicação directa no ordenamento jurídico nacional, pelo que a D… tinha o dever de aceitar a reparação de acordo com o valor orçamentado pela Apelante.
XI. A Apelante, que em virtude do contrato de seguro celebrado assumiu a obrigação de indemnizar do responsável pelo sinistro, tem também o direito de, colocando o lesado na situação em que o mesmo se encontrava antes do sinistro, procurar repor a situação primitiva anterior ao sinistro da forma menos onerosa que lhe for possível.
XII. In casu, demonstrando-se, como ficou demonstrado, que a reparação de acordo com o orçamento da Apelante conduzia a resultados idênticos que a reparação orçamentada pela D…, colocando o veículo nas mesmas condições de segurança e qualidade que o mesmo detinha antes do sinistro, a obrigação prevista no artigo 562.º e 566.º, n.º 1, ambos do Código Civil, fica cumprida com o pagamento do valor orçamentado de € 1.600,63.
XIII. Não pode a Apelante ser prejudicada por um comportamento anti-concorrencial e, por conseguinte, ilícito, da oficina escolhida pelo Apelado para a reparação do veículo, uma vez que, conforme supra exposto, tinha a oficina a obrigação de aceitar a aplicação de peças da concorrência na reparação do veículo.
XIV. Assim, no que diz respeito ao valor da indemnização devida para a reparação do veículo do Apelado, deverá a douta Sentença ser alterada, arbitrando-se a este título o valor de € 1.600,63 (mil e seiscentos euros e sessenta e três cêntimos).
XV. Da matéria de facto dada como provada não resultou demonstrado qualquer prejuízo resultante da privação do uso do veículo por parte do Apelado, o que, desde logo, implica que não lhe possa ser atribuído qualquer indemnização por este dano.
XVI. Veja-se, que neste mesmo sentido se pronunciou recentemente esta Relação (cfr. Ac. TRP de 19.12.2012 – Relator: JOSÉ IGREJA MATOS, disponível em www.dgsi.pt): “A privação do uso de um dado bem móvel ou imóvel impede necessariamente o respectivo proprietário de o usar, fruindo as utilidades que ele normalmente lhe proporcionaria. Porém dessa obstrução não decorrerá automaticamente um dano efectivo e concreto para o proprietário, exigindo-se a alegação e prova da existência de um qualquer prejuízo decorrente da não utilização da coisa.”
XVII. A falta de prova de um prejuízo existente implicaria, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a improcedência do pedido formulado pelo Apelado quanto a este ponto, devendo, em consequência, a douta Sentença ser alterada e a Apelante ser absolvida do montante indemnizatório peticionado a título de privação do uso.
XVIII. Caso assim não se entenda e seja de atribuir uma indemnização pela privação do uso, esta deverá ser reduzida para valor não superior a € 5.475,00 (cinco mil, quatrocentos e setenta e cinco euros), uma vez que a generalidade da jurisprudência, quando aceita ressarcir este dano, não tem atribuído uma indemnização por privação do uso superior a € 25,00/dia.
XIX. O douto Tribunal a quo violou o disposto no artigo 101.º, n.º 1 do TFUE, o disposto nos n.ºs 4 e 5 do Regulamento CE 461/2010 e o disposto nos artigos 483.º, 562.º e seguintes, todos do Código Civil.

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Devidamente notificado o Autor contra-alegou, concluindo pelo não provimento do recurso.

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Após os vistos legais cumpre decidir.

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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.

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No seguimento desta orientação são duas as questões que importa decidir:
a)- a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- saber se o tribunal recorrido fixou de forma correcta o dano sofrido pela Autora referente ao tempo em que o veículo esteve imobilizado.

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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pela primeira instância:
A.1) – FACTOS PROVADOS

1 – O Autor é proprietário do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca Mercedes, modelo …, com o nº de quadro ……………… e matrícula ..-..-RC.
2 – Pelas 18.50h, do dia 24/09/2011, o A. encontrava-se a conduzir o seu veículo RC circulando pela respectiva hemi-faixa de rodagem da Rua .., em Espinho, no sentido oriente/ocidente.
3 – Chegado ao cruzamento de tal via com a …, encontrando-se os semáforos intermitentes e não havendo qualquer sinal de perda de prioridade, encontrando-se assim pela direita, o RC continua a avançar para entrar na ….
4 – No momento em que inicia a entrada da referida …., o A. é embatido pelo veículo ..-..-MV (Renault …), propriedade de E… e conduzido por F…, que circulava pela respectiva faixa de rodagem, no sentido Sul/Norte, na lateral esquerda frente do seu veículo RC.
5 – O condutor do MV não cedeu passagem ao veículo RC, o qual tinha prioridade por se apresentar pela direita.
6 – Na altura do acidente o veículo MV, possuía seguro de responsabilidade civil válido e eficaz, junto da R., pelo que, tal responsabilidade se encontrava transferida para esta, através da Apólice nº ……………..
7 – Em consequência do acidente, o RC ficou bastante danificado e impossibilitado de circular pelos seus próprios meios, pelo que, foi participado à R. o sinistro ocorrido, tendo sido atribuído o nº de processo de sinistro nº ………. e nº de ocorrência ………..
8 – Por carta datada de 21/10/2011, a R. informou o A. de que se encontrava a assumir a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro supra melhor identificado, sem nunca ter sido avançado qualquer valor ao A..
9 – Remeteu nesse mesmo dia fax para a oficina onde o veículo se encontrava parqueado a aguardar reparação, denominada D…, SA, sita na …, …, ….-… Santa Maria da Feira.
10 – Em tal fax, a R. informa a D… que é responsável pelo pagamento do custo da reparação do veículo ..-..-RC pela importância de € 1.600,63, conforme orçamento e relatório de peritagem.
11 – A D… (Concessionário e Oficina Autorizada Mercedes-Benz) apresentou um orçamento de reparação no valor de € 5.436,26, já com IVA incluído, datado de 17/10/2011 (Estimativa nº …..).
12 – Tal orçamento de reparação dos danos, foi realizado após desmontagem do veículo ..-..-RC, devidamente autorizada pelo A..
13 – O A. depois de ter sido informado da assumpção de responsabilidade por parte da R. contactou a D…, no sentido de dar ordem de reparação da viatura, contudo, esta referiu que o valor proposto pela R. de € 1.600,63 (o qual não era ainda do conhecimento do A.) não era suficiente para a devida reparação da viatura RC, pelo que, nunca poderiam fazer, sequer garantir, tal reparação por aquele valor proposto, sendo o valor correcto o do orçamento por si apresentado, ou seja, € 5.436,26.
14 – Até ao momento, a R. não pagou ao A. qualquer quantia, pela qual é responsável, apesar de ter sido interpelada para o efeito, pelo que, está privado do seu veículo, dado que, o mesmo ainda não se encontra reparado.
15 – O A. tem um filho menor, tendo que o ir buscar e levar a casa da mãe ao fins de semana.
16 – O A. é .º Sargento do Exército tendo que se deslocar, diariamente, da sua residência para Espinho e vice-versa.
17 – Em virtude de não possuir outro veículo automóvel, o A. tem realizado as suas deslocações a pé (com a mochila às costas), de comboio, tendo que se sujeitar aos horários destes últimos.
18 – O A. não consegue andar de autocarro, dado que, tem tendência para enjoar nesse meio de transporte.
19 – Por várias ocasiões, o A. recorreu a um amigo para este lhe emprestar a sua viatura ou para lhe dar boleia e para facilitar certas tarefas diárias, a troco de pagar combustível gasto, sendo certo que, sendo tal de difícil quantificação o A. acaba sempre por pagar um pouco mais do que o que gasta.
20 – De casa do A. até à estação de comboios o mesmo precisa de cerca de 15m a pé.
21 – Nas visitas a familiares está também o A. limitado, dado que, antes do sinistro, visitava e dava apoio à sua mãe, pessoa de idade, viúva, que vive sozinha e podia visitar mais frequentemente o filho.
22 – O veículo desvaloriza todos os dias e encontrando-se parado, certamente, certos componentes estão e ficarão danificados e inutilizados, nomeadamente, bateria, óleos, pneus, filtros, discos, calços, escovas limpa vidros, borrachas, entre outros.
A.2) – FACTOS NÃO PROVADOS
1 – O condutor do MV circulava com falta de atenção, comportamento temerário, descuido, imprevidência e imperícia.
2 – O A. está a pagar um crédito pessoal no valor global de € 8.000,00, contraído por 60 meses (5 anos), ao I…, mediante uma prestação de € 190,00 mensais, para pagamento parcial da aquisição do referido veículo automóvel, do qual não está a usufruir, por motivos que lhe são totalmente alheios.
3 – O A. teve que liquidar, não obstante não se encontrar a usufruir do veículo, o seguro automóvel e o imposto único de circulação.
4 – O facto de o Autor estar sem carro tem limitado o tempo livre para estar com o filho, para os afazeres de cariz pessoal e para lazer, encontrando-se limitado nas deslocações a fazer.
5 – Muitas vezes, o único meio de deslocação que possui o A. é o táxi, dado que, a partir da uma da manhã e se estiver de serviço não tem outro transporte público.
6 – O A. passou a ter que ir todos os dias ao supermercado mais próximo da sua residência (o qual fica a 45 m a pé, ida e volta.), dado que, o peso e dimensões das compras não permitem que o faça em menos vezes, além de que, deslocando-se grande parte das ocasiões a pé e visto utilizar muito congelados, tem que os consumir no próprio e no caso da água, por exemplo e entre outros artigos, o A. tem que comprar agora garrafas em vez de garrafões o que lhe encarece as suas compras.
7 – A oficina D…, exige agora o pagamento dos dias de parqueamento desde a data do acidente até à data da efectiva saída do veículo das suas instalações.
8 – O valor orçamentado de € 1.600,63 pela Ré inclui peças de automóvel de marca que não a do veículo sinistrado, mas que, em termos de segurança e fiabilidade, são de categoria igual às peças de origem.
9 – A reparação do veículo com peças de origem ou peças da marca indicada no relatório de peritagem efectuado pelos serviços da Ré tem exactamente o mesmo efeito, não provocando qualquer decréscimo de qualidade ou desempenho do ..-..-RC.

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III. O DIREITO
Antes de entrarmos na apreciação das questões colocadas no recurso, convém definir qual o regime legal que lhe é aplicável, face à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.
Nas normas transitórias da Lei 41/2013 de 26/06 que aprovou o Novo Código de Processo Civil, prevê-se no artigo 5.º, nº 1, que o Código de Processo Civil é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes, sendo que, no artigo 7.º, nº 1 apenas se prevê um regime especial no tocante aos recursos em relação às acções declarativas instauradas em data anterior a 01.01.2008, ou seja, a lei não estabeleceu um regime transitório para os recursos nos processos instaurados em data posterior a 01.01.2008, nos quais as decisões foram proferidas em data anterior à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.
Aplicando o regime previsto no art. 12º do CC ao processo civil resulta que na área do direito processual, a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuros praticados nas acções pendentes.
Como refere Antunes Varela: “(…) a ideia, complementar desta, de que a nova lei não regula os factos pretéritos (para não atingir efeitos já produzidos por este), traduzir-se-á, no âmbito do direito processual, em que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados”.[1]
Portanto, a nova lei aplica-se imediatamente aos actos que houverem de praticar-se a partir do momento em que ela entra em vigor, pelo que os actos praticados ao abrigo da lei antiga devem ser apreciados em conformidade com esta lei.[2]
Especificamente, no que concerne às normas reguladoras dos recursos, Antunes Varela distinguia as normas que “fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades da preparação, instrução e julgamento do recurso”, defendendo a aplicação imediata da lei nova sempre que não estejam em causa normas que “interferem na relação substantiva”.[3]
Ora a presente acção foi instaurada em 5 de Novembro de 2012 e a decisão recorrida foi proferida em 23 de Dezembro de 2013.
Como assim, proferida a sentença em data posterior a 01.09.2013, a nova lei tem aplicação imediata ressalvando-se apenas os efeitos produzidos pela anterior lei, na medida em que contendam com a relação substantiva.

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A primeira questão que importa decidir é, como se referenciou:

a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Refere neste segmento a Ré recorrente que o tribunal deveria ter dado como provados os factos constantes dos nºs 8 e 9 do elenco “dos não provados” cuja redacção é a seguinte:
8- O valor orçamentado de € 1.600,63 pela Ré inclui peças de automóvel de marca que não a do veículo sinistrado, mas que, em termos de segurança e fiabilidade, são de categoria igual às peças de origem.
9 – A reparação do veículo com peças de origem ou peças da marca indicada no relatório de peritagem efectuado pelos serviços da Ré tem exactamente o mesmo efeito, não provocando qualquer decréscimo de qualidade ou desempenho do ..-..-RC.
Analisando.
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPCivil “o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.[4]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[5]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Daí que, conforme orientação jurisprudencial prevalecente o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.
Na verdade, só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal [ad quem] sindicar (artigo 607.º, nº 5 já citado), e pelas razões já supra expandidas.
Em conclusão: mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade.
É que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.
Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou.[6]
Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas- v.g. por distracção-determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.
A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à apelante neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
Sobre a matéria de facto não provada o tribunal, na respectiva fundamentação, discorreu do seguinte modo:
“Quanto aos factos não provados, resultaram os mesmos da ausência de mobilização probatória bastante para convencer o Tribunal da sua verificação”.
Portanto, o tribunal entendeu que, o conjunto da prova produzida, não era suficiente para dar como provada a factualidade do elenco dos “factos não provados”.
Ora, para dar como provados os factos 8 e 9, daquele elenco, a Ré recorrente convoca o depoimento das testemunhas G…, responsável pela avaliação dos danos no veículo do apelado e o gestor de sinistros H….
Todavia, cremos, que o depoimento destas testemunhas não podem, desacompanhados de qualquer outro elemento coadjuvante, seja ele testemunhal ou documental, sustentar a alteração da decisão da matéria de facto, concernente aos indicados pontos, nos termos propugnados pela Ré recorrente.
De facto, ouvidos tais depoimentos, deles não se colhe, por manifesta ausência de quaisquer conhecimentos objectivados no seu depoimento, que as peças indicadas no orçamento de valor € 1.600,63 fossem, em termos de segurança e fiabilidade, de categoria igual às peças de origem e que, a reparação com tais peças, não provocava qualquer decréscimo de qualidade ou desempenho do ..-..-RC.
Efectivamente, estas testemunhas limitaram-se a dizer que aquelas peças eram certificadas por quem as produzia, que tinham garantias e que o veículo ficava reparado nas mesmas condições.
Acontece que, não se duvida que o carro com aquelas peças ficasse reparado, mas como dizer, a partir daquelas simples afirmações, que elas apresentavam a mesma segurança e fiabilidades idênticas às de origem?
E como dizer igualmente que a utilização de tais peças não provocava qualquer decréscimo de qualidade ou desempenho do RC?
Ou seja, os citados depoimentos por si só não permitem, com o grau de certeza exigível nesta situações, que se dê por demonstrada a realidade factual que aqueles pontos continham e isto, como já se referiu, por neles não estar contida qualquer base de conhecimento fora do comum das pessoas, em que o tribunal se pudesse ancorar.

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Decorre do exposto que a apreciação da Mmª Juiz surge-nos, assim, como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando por isso a respectiva alteração.
O presente caso, manifestamente, não se reconduz, pois, a um daqueles casos flagrantes e excepcionais em que-como vimos-essa alteração é de ocorrência forçosa, por ter havido, na primeira instância, um manifesto erro na apreciação da prova, uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto.

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Improcede, deste modo, este segmento recursório.

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Não sofrendo alteração a matéria factual que o tribunal recorrido deu como assente, apreciemos agora as restantes questões que no recurso vêm colocadas.

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b)- o montante indemnizatório arbitrado a título de reparação do veículo.

Como decorre da decisão recorrida o tribunal fixou em € 5.436,26 o valor de tal reparação.
Deste valor dissente a Ré apelante por entender que, conduzindo a reparação do veículo de acordo com o seu orçamento a resultados idênticos que a reparação orçamentada pela D…, isto é, colocando o veículo nas mesmas condições de segurança e qualidade que o mesmo detinha antes do sinistro, a obrigação prevista no artigo 562.º e 566.º, n.º 1, ambos do Código Civil, fica cumprida com o pagamento do valor orçamentado de € 1.600,63.
Quid iuris?
Não nos parece, salvo o devido respeito, que a razão esteja do lado da apelante.
Vejamos.
Importa, desde logo, dizer que e o Regulamento CE 1400/2002, posteriormente alterado pelo Regulamento CE 461/2010 visa promover a concorrência entre oficinas oficiais ou das marcas de construtores automóveis e as oficinas independentes.
Ora, de acordo com este Regulamento qualquer carro de qualquer marca, pode fazer as revisões e/ou reparações em qualquer oficina, seja ele autorizada da marca ou independente, ou seja, o cliente final é que escolhe o local onde deseja efectuar a manutenção de acordo com a sua vontade.
Evidentemente que isto vem a significar que o cliente tem a vantagem de, durante e após o período de garantia, ser livre de escolher o local onde deseja que o seu carro seja assistido e, caso opte por uma oficina independente para efectuar operações de revisão, reparação e/ou manutenção durante o período de garantia, o seu direito à garantia permanece válido.
Portanto, o citado Regulamento o que veio criar foi algumas excepções à regra geral de proibição de celebração de acordos verticais[7] com a finalidade de restrição da livre concorrência, prevista no artigo 101.º, n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia do tem como objectivo.
Diz a recorrente que, no que diz respeito a acordos verticais relativos a serviços de pós-venda (nomeadamente os serviços de reparação de veículos a motor), as excepções nunca são aplicáveis quando se trate de restrição que limite a possibilidade de um fornecedor de peças sobressalentes concorrentes vender essas peças a oficinas de reparação autorizadas (cfr. considerando 17 e artigos 4.º e 5.º do Regulamento CE 461/2010) não estando, por isso, a D… legalmente impedida de adquirir peças sobressalentes concorrentes para a realização da reparação do veículo do Apelado.
Não se põe em causa esta asserção, contudo, a escolha das peças para a reparação do veículo não é à D… que compete, mas sim ao proprietário do veículo sinistrado, neste caso ao Autor apelado, é a ele que cabe decidir se a reparação do veículo deve ser feita com recurso a peças originais ou a peças de marcas concorrentes, ou seja, o problema não está em o fornecedor de peças sobressalentes concorrentes vender essas peças a oficinas de reparação autorizadas ou de a D… as adquirir, o que está em causa é se esta pode impor, sem mais, que a reparação seja feita com peças de marcas concorrente, o que, como já se referiu, não goza dessa prerrogativa.
Na verdade, o artigo 562.º, do C. Civil, estabelece o princípio geral da obrigação de indemnização, estatuindo que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Por sua vez estatui artigo 566.º, nº 1 do mesmo diploma legal que “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.
Da concatenação destes preceitos legais concluí-se que, em matéria de reparação dos danos, prevalece o princípio da reconstituição natural, ou seja, a lei manda reconstituir a situação hipotética não fora o facto determinante da responsabilidade, e só quando se revele impossível, não repare a totalidade dos danos ou for excessivamente onerosa para o devedor, permite a indemnização em dinheiro.
Sendo a indemnização em dinheiro a excepção, visto que a finalidade legal é a de prover à remoção do dano real à custa do responsável, por este ser o meio mais eficaz de garantir o interesse do lesado, ela só tem lugar nos casos identificados no citado artigo 566.º, nº 1 do diploma citado.
O lesante tem a obrigação de ressarcir os danos causados a outrem, reconstituindo a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento danoso, em regra, mediante a restauração natural, efectuando ou mandando efectuar a reparação do veículo danificado no acidente.
No caso concreto, consistindo o dano nos estragos no veículo do Autor apelado em consequência do acidente, compete, em princípio, à recorrente a sua reconstituição natural, que se concretizaria na reparação do veículo.
Não sendo possível essa reconstituição natural, nomeadamente pela impossibilidade técnica de reparação ou substituição não cobrir todos os danos ou revelar-se excessivamente onerosa para o devedor, justifica-se, então, a indemnização em dinheiro.
Ora, a reconstituição natural implica que a reparação do veículo se faça com peças de origem e não de marcas concorrentes.
Com efeito, seria verdadeiramente injusto para o Autor apelado, que nenhuma culpa teve na produção do acidente e, por lógica implicância, nos danos dele decorrentes, tivesse de aceitar a reparação do seu veículo com peças que não fossem idênticas às que ele já possuía, ficando, por essa via, com certeza, com um veículo diminuído no seu valor venal e de satisfação pessoal, pois que, não resultou provado que a reparação, com as peças propostas pelo orçamento fornecido pela Ré, conduzisse a idêntico resultado que a reparação com peças originais.
A apelante refere ainda, neste segmento recursório que, tendo embora, por virtude do contrato de seguro celebrado, a obrigação de indemnizar do responsável pelo sinistro, tem também o direito de, colocando o lesado na situação em que o mesmo se encontrava antes do sinistro, procurar repor a situação primitiva anterior ao sinistro da forma menos onerosa que lhe for possível.
Acontece que, a “excessiva onerosidade”, como tem sido entendimento uniforme na jurisprudência, apenas ocorrerá quando a restauração natural impuser ao devedor um encargo desmedido, desajustado, que ultrapasse manifestamente os limites impostos a uma legítima indemnização.[8]
Almeida Costa[9], a propósito da “excessiva onerosidade”, defende que “terá lugar sempre que exista flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural para o responsável. A onerosidade deve apreciar-se, de resto, em termos amplos, considerando-se inclusive, legítimos interesses de ordem moral ou sentimental”.
Todavia, o valor a considerar para efeito de integração do conceito de “excessiva onerosidade” há-de ser feito com referência ao valor patrimonial do veículo, ou seja, o valor que o mesmo representa para o património do lesado.
Ora, tendo em conta as regras do ónus da prova, competia ao Autor apelado alegar e demonstrar os danos e seu montante, isto é, a regra geral (restauração natural), competindo à recorrente alegar e demonstrar a excepção–a excessiva onerosidade dessa reparação.
Todavia, além de no caso concreto a Ré recorrente não ter feito tal prova, a excessiva onerosidade não está aqui alegada por referência ao valor patrimonial do veículo.
Na verdade, a Ré apelante não diz que a reparação do veículo é excessiva tendo em conta o seu valor patrimonial, o que refere é que deve repor a situação primitiva anterior ao sinistro da forma menos onerosa que lhe for possível.
Acontece que, o menor custo da reparação não pode acabar por traduzir-se na não reconstituição natural da coisa, neste caso na reparação do veículo antes do ocorrência do sinistro e, bem vistas, as coisas, optando pela reparação orçamentada pela recorrente, era isso mesmo que acabava por acontecer.

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Como assim, também aqui falece razão à Ré recorrente.

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c)- privação do uso do veiculo.

Na sentença recorrida fixou-se para a indemnização deste dano o montante de € 8.760,00 (oito mil setecentos e sessenta euros).
A Ré recorrente discorda da atribuição deste valor por entender, desde logo, que da matéria de facto dada como provada não resultou demonstrado qualquer prejuízo resultante da privação do uso do veículo por parte do Apelado, o que implica que não lhe possa ser atribuído qualquer indemnização por este dano.
Não podemos sufragar semelhante entendimento.
O problema da ressarcibilidade do dano da privação do uso está longe de merecer uma resposta jurisprudencial unânime. Desde logo quanto à exacta natureza desse dano: enquanto algumas decisões sustentam que se trata de um dano não patrimonial outras concluem pela sua patrimonialidade.
A distinção entre o dano patrimonial e não patrimonial assenta na natureza do interesse afectado, sendo, por isso, possível que da violação de direitos patrimoniais resultem danos não patrimoniais, da mesma maneira que da violação de direitos ou bens de personalidade podem derivar danos patrimoniais.
A privação de uso de um bem pode, portanto, dar origem tanto a um dano patrimonial como a um dano não patrimonial; quando ocorra esta última espécie de dano, ele será indemnizável de harmonia com os critérios específicos de valoração e mensurabilidade desse tipo de dano.
Contudo, a clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso. Mesmo quando se aceita a sua patrimonialidade, verifica-se uma nítida fractura entre as decisões para as quais basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido[11] e aquelas que julgam insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial.[12]
Na doutrina, sustentam a reparabilidade do dano de privação do uso, António dos Santos Abrantes Geraldes[13], Luís Manuel Teles Menezes Leitão[14], e Júlio Gomes[15].
Por nossa parte entendemos que a privação do gozo de uma coisa pelo titular do respectivo direito constitui seguramente um ilícito que o sistema jurídico prevê como fonte da obrigação de indemnizar, pois que, impede o respectivo proprietário de dela dispor e fruir as utilidades próprias da sua natureza–arts. 483.º nº 1 e 1305.º C. Civil.
Pensamos, porém, que a questão da ressarcibilidade da “privação do uso” não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa.[16]
Na verdade, uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso.
Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo, se realmente a pretender usar e utilizar caso não fosse a impossibilidade de dela dispor.
Não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável.
É que bem pode acontecer que alguém seja titular de um bem, móvel ou imóvel, e apesar de privado da possibilidade de os usar durante certo tempo, não sofra com isso qualquer lesão por não se propor aproveitar das respectivas vantagens ou utilidades, como pode suceder com o dono de um automóvel que o não utiliza ou utiliza em circunstâncias que uma certa indisponibilidade não afecta, ou com o proprietário de um terreno que lhe não dá qualquer utilização.
Bastará, no entanto, que a realidade processual mostre que o lesado usaria normalmente a coisa, para que o dano exista e a indemnização seja devida.
Por isso se tem entendido que não basta a simples privação, em si mesma, sendo necessário ainda que se alegue e prove a frustração de um propósito de proceder à utilização da coisa, demonstrando o lesado que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela actuação ilícita de outrem, o lesante.[17]

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Postos estes considerandos cumpre, então, analisar a situação concreta dos autos.
E, para o fazer, importa convocar o quadro factual que dos autos resultou assente neste particular e que é, o que se segue:
“15 – O A. tem um filho menor, tendo que o ir buscar e levar a casa da mãe ao fins de semana.
16 – O A. é .º Sargento do Exército tendo que se deslocar, diariamente, da sua residência para Espinho e vice-versa.
17 – Em virtude de não possuir outro veículo automóvel, o A. tem realizado as suas deslocações a pé (com a mochila às costas), de comboio, tendo que se sujeitar aos horários destes últimos.
18 – O A. não consegue andar de autocarro, dado que, tem tendência para enjoar nesse meio de transporte.
19 – Por várias ocasiões, o A. recorreu a um amigo para este lhe emprestar a sua viatura ou para lhe dar boleia e para facilitar certas tarefas diárias, a troco de pagar combustível gasto, sendo certo que, sendo tal de difícil quantificação o A. acaba sempre por pagar um pouco mais do que o que gasta.
20 – De casa do A. até à estação de comboios o mesmo precisa de cerca de 15m a pé.
21 – Nas visitas a familiares está também o A. limitado, dado que, antes do sinistro, visitava e dava apoio à sua mãe, pessoa de idade, viúva, que vive sozinha e podia visitar mais frequentemente o filho”.
Ora, face a este quadro factual, dúvidas não existem de que nenhuma censura merece a decisão recorrida, quando procedeu à indemnização do dano resultante da privação do uso do veículo por parte da apelada.
O Autor apelado, sendo .º Sargento do Exército, tem que se deslocar, diariamente, da sua residência para Espinho e vice-versa e, vendo-se privado da sua viatura tem que fazer tais deslocações a pé, de comboio, sendo que, algumas vezes com vista a facilitar as suas tarefas pediu emprestada a viatura a um amigo.
Ou seja, não fora a sua privação decorrente do acidente, o Autor fazia uso do seu veículo, dele retirando, pois, todas as utilidades que o mesmo normalmente lhe proporcionaria, usando-o diariamente nas deslocações para o seu local de trabalho, na visita a familiares e, como é evidente, em outras e variadas situações que, a todos, nos surgem no nosso quotidiano.
Portanto, se o bem lesado satisfazia uma necessidade de uso do sujeito e deixou de a satisfazer, porque a lesão o tornou impróprio para esse fim, há aqui, sem dúvida um dano e, só assim não será se porventura essa necessidade, por qualquer razão, terminou definitivamente ou ficou suspensa na ocasião da lesão ou, ainda, se a necessidade não era assegurada exclusivamente por aquele bem e pôde continuar a ser satisfeita através de outros meios do lesado ou de terceiro, sem que tivesse ocorrido qualquer diminuição na satisfação das suas restantes necessidades.
Significa, portanto, que quando alguém é privado de um automóvel, que usava, existe na generalidade dos casos um dano, na medida em que se trata de um bem que satisfazia várias e mutáveis necessidades quotidianas do seu proprietário, familiares ou amigos, principalmente as relativas à circulação da pessoa entre locais, às resultantes da sua utilização nas sua vida profissional, às de lazer ou de qualquer outro tipo.
É certo que, não está demonstrado nos autos que o Autor apelado tenha sofrido danos advenientes daquela privação.
Porém, se a privação do uso do veículo durante determinado tempo originou a perda de utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição (não está demonstrado nos autos que Ré a recorrente tenha disponibilizado ao Autor veículo de substituição) impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente.
Condicionar a indemnização da prova da ocorrência de danos imputáveis directamente a essa privação é solução que, como refere Abrantes Geraldes[18], “pode justificar-se quando o lesado pretenda a atribuição de uma quantia suplementar correspondente a benefícios que deixou de obter, ou seja, aos lucros cessantes, nos termos do artigo 564.º do C.Civil, ou às despesas acrescidas que o evento determinou, já não quando o seu interesse se reduza à compensação devida pela privação que, nos termos da mesma norma, corresponde ao prejuízo causado, isto é, aos danos emergentes”.
Importa ainda ter em conta que a simples detenção do veículo, tendo um determinado valor intrínseco, determina encargos que se mantêm independentemente da utilização que lhe é dada ou do facto de ficar paralisado por razões não imputáveis ao titular.[19]
Portanto, em conclusão, a falta de prova de despesas casualmente realizadas depois do sinistro não determina necessariamente a ausência de prejuízos, os quais não deixam de ser representados pelo desequilíbrio de natureza material correspondente à diferença entre a situação que existiria e aquela que é possível verificar depois de se constatar a efectiva privação do uso do bem, sendo isso o bastante para se determinar o ressarcimento através da única via possível, isto é, mediante a atribuição de uma compensação em dinheiro, se necessário recorrendo à equidade para se alcançar a ajustada quantificação.[20]
Defender-se a tese oposta, redundará na adopção de soluções diversas a partir do mesmo evento, tudo dependendo da opção que o lesado faça pelo aluguer directo de um veículo de substituição, sendo evidente que, nesta situação, as despesas correm por conta do responsável, não sendo, porém, aceitável que este fique isento de qualquer compensação nas situações em que o lesado, por opção ou por ignorância dos seus direitos, aguarde pela conclusão da reparação.[21]

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Discorda também a Ré apelante do montante indemnizatório fixado a esse nível.
Ora, a tarefa de como fixar o respectivo montante indemnizatório nestes tipos de casos não se afigura linear.
Efectivamente, a teoria da diferença (artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil) que serve de critério para encontrar o quantum da indemnização não é operacional nestas situações.
Com efeito, se aquela privação do uso não se traduzir numa diferença patrimonial quantificável entre a situação que existiria se não ocorresse a privação e aquela que existe por causa dela, ficamos carecidos de valores para calcular a diferença, não obstante a existência de um dano que tem, como é evidente, de ser indemnizado.
Como refere Menezes Leitão[22] a atribuição da quantia indemnizatória pode ter como referencial o valor locativo do veículo.
É claro que, a indemnização pela indisponibilidade do veículo nunca se poderá pautar, exactamente-nem mais, nem menos-pelo preço praticado pelas empresas de rent-a-car e para o aluguer de um automóvel da mesma classe do acidentado.
Com efeito, como avisadamente se pondera no Ac. do STJ de 5.03.2002[23] “basta pensar que neste custo [de aluguer] entram as mais diversas componentes, incluindo as despesas de exploração da empresa de aluguer e o seu lucro que a partir do momento em que o autor de facto não procedeu ao aluguer não têm de ser suportadas pela ré, cuja responsabilidade vai apenas até onde for o dano provocado“.
Se pretendermos calcular o valor de uso do veículo para o próprio, podemos aproximar-nos desse valor se somarmos o preço de aquisição e as despesas de manutenção médias ao longo do período previsível da sua utilização (revisões, reparações e seguros), dividindo a soma pelo número de dias de vida média calculada para o veículo.[24]
Porém, ainda assim, este valor difere do preço de aluguer de um veículo, já que neste caso, além do preço do automóvel e despesas de manutenção, entram outras componentes, como o lucro do empresário e os custos gerais da empresa (impostos, salários e custos com trabalhadores, seguros, etc.).
Portanto, o valor do aluguer tem se ser, por conseguinte, superior ao valor de uso digamos, doméstico e daí que não se mostre adequado, salvo se corrigido.
Paulo Mota Pinto[25] propõe o seguinte critério: “Pensamos que o dano da privação do uso deverá ser quantificado num valor que pode ser obtido de uma de duas formas; ou (como de “cima para baixo”) a partir dos custos de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, mas “depurados”–bereinigte Mietkosten que excluem o lucro do locador, e custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc. (no direito alemão os valores constantes das referidas tabelas rondam cerca de um terço dos custos de aluguer normalmente praticados); ou (como que “de baixo para cima”), designadamente, para viaturas de profissionais e empresas, a partir dos custos de capital imobilizado necessário para obter a disponibilidade de um bem, como aquele durante o período de tempo necessário (por ex., os custos necessários para constituir uma reserva de um bem como o que está em causa)”.
Evidentemente que, para se usarem estes mecanismos, as partes têm de fornecer factos para que o tribunal possa chegar a alguma conclusão.
Ora, se as partes não oferecem os factos, o tribunal ficará impedido de utilizar estes critérios, pois que, temos que nos cingir aos factos articulados pelas partes (artigo 5.º do CPCivil) e aos factos instrumentais que resultem da discussão da causa [nº 2 al. a) do mesmo normativo].
Todavia, ainda que o tribunal não disponha de elementos suficientes para calcular a diferença patrimonial entre a situação actual e a que o lesado teria se não tivesse ocorrido o evento, como ocorre no presente caso, sempre o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar uma indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3 do CCivil.[26]
Reportado especificamente à quantificação da indemnização através de juízos de equidade, Larenz[27] afirma que se exige do juiz a formulação de “juízos de valor devendo orientar-se em primeiro lugar por casos singulares e sua apreciação na jurisprudência, mas seguindo para além disso, a sua própria intuição axiológica”.
A equidade, nas judiciosas considerações feitas no Ac STJ de 10/2/98[28] “é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei devendo o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”.
Assim, ponderando a justa medida das coisas e a criteriosa ponderação das realidades da vida, para utilizar as palavras do citado acórdão, parece-nos que a indemnização a atribuir ao proprietário tenha alguma correspondência relativamente ao investimento feito por si na aquisição e manutenção do veículo.
Na posse deste valor, necessariamente aproximado, pode o mesmo ser fraccionado em dias de utilização considerando o período médio de vida do automóvel, multiplicando-se, depois, o valor encontrado por dia de utilização pelo número de dias de paralisação.
Tendo em conta o cálculo a que se fez referência na nota 24 e fazendo apelo a outras decisões judiciais sobre a matéria[29], afigura-se que a quantia de € 40,00 diários fixada pelo tribunal recorrido se nos afigura, de facto exagerada, parecendo-nos mais adequada a título de indemnização pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as necessidades básicas diárias do lesado a quantia de € 25,00, que é, aliás a que Ré apelante propugna.
Como assim, tendo em conta o período de paralisação chega-se ao valor de € 5.475,00 (cinco mil quatrocentos e setenta e cinco euros) (219 x € 25,00).

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Destarte, procedem assim, em parte as conclusões formuladas pelo apelante e, com elas, o respectivo recurso.

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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta parcialmente procedente por provada e consequentemente, alterando-se a decisão recorrida, condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 10.911,26 (dez mil novecentos e onze euros e vinte e seis cêntimos) acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal, a contar desde a citação até integral pagamento, mantendo-se, quanto ao mais a decisão recorrida.

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Custas por apelante e apelado na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).

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Porto, 16 de Junho de 2014.
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
______________
[1] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora in Manual de Processo Civil, 2ª Almedina, pág. 49.
[2] Antunes Varela, ob. citada pág. 54.
[3] Obra citada pág. 55.
[4] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol. cit., pág. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes mesma obra, pág. 273).
[5] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
[6] Miguel Teixeira de Sousa obra citada, pág. 348.
[7] Acordos concluídos entre operadores em diferentes níveis do processo produtivo e de comercialização.
[8] Cfr., entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/05/2009, Proc. n.º 5871/07.7TBSXL.L1-6, de 14/06/2012, Proc. 1036/11.1TJLSB: Acórdãos do S. T. J., de 4/12/2007, Proc 06B4219 e de 3/5/2007, Proc. 07B1184, disponíveis em www.dgsi.pt; Antunes Varela, Das obrigações Em Geral, vol. I, 4ª edição, págs. 811-813.
[9] Direito das Obrigações, Almedina, 5ª edição, pág.638.
[10] E não ao seu valor venal como muitas vezes se tem entendido, pois que, como se refere no STJ de 10.02.2004 in www.dgsi.pt “(…) um veículo já com muito uso pode ter um valor comercial pouco significativo, mas, ainda assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor de mercado, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, por não lhe permitir a aquisição de uma viatura da mesma marca, com as mesmas características e com o mesmo uso.
A este propósito veja-se ainda o que escreve Júlio Gomes in Revista de Direito Privado, n.º 3, pg. 57 e ss., em anotação ao acórdão do STJ, de 2003.02.27
[11] Cfr. Acs. do STJ de 05.07.07, da RL de 04.10.07 e 18.09.07 e da RC de 20.03.07 e 12.02.08 www.dgsi.pt..
[12] Cfr. Acs. do STJ de 22.06.05,12.01.06 e 04.10.07, da RL de 22.06.06 e da RC de 13.03.07.
[13] Indemnização do Dano de Privação do Uso, Almedina, Coimbra, 2001,págs. 30 e ss.
[14] Direito das Obrigações, 3ª Edição, Vol. I, Almedina, Coimbra, págs. 338/339 e nota 686.
[15] RDE, nº 12, 1986, págs. 169 e ss.
[16] Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Positivo, Vol. I, pág. 594/596. Coimbra Editora, 2008, entende que o dano só se concretiza ao nível das privações concretas das vantagens que a coisa proporciona e não antecipadamente ao nível da perturbação (ilícita) das possibilidades abstractas de uso que resultam para o proprietário derivadas do «jus utendi et fruendi» inerente ao direito de propriedade.
Sustenta este autor que “O dano da privação do gozo ressarcível é, assim, a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo, e não logo qualquer perda da possibilidade de utilização do bem–a qual (mesmo que resultante de uma ofensa directa ao objecto, e não apenas de uma lesão no sujeito) pode não ser concretizável numa determinada situação”.
[17] Cfr. neste sentido Ac. do STJ de 9/12/2008, proc. 3401/08 in www.dgsi.pt
[18] Obra citada pág. 34.
[19] Antunes Varela inclui precisamente no dano emergente “não só o prejuízo directamente causado nas coisas destruídas, como os danos reflexos e as próprias despesas frustradas (imposto automóvel, arrendamento de garagem, seguro etc.) correspondentes ao período em que o veículo não pôde ser utilizado”-Das Obrigações em Geral, 10ª Ed. Vol. I, pág. 909, nota 2.
[20] Abrantes Geraldes, obra citada pág. 47.
[21] Como salienta Menezes Leitão obra citada pág. 338 nota 686, “É manifesto, no entanto, que a conduta poupadora por parte do lesado não pode servir para obstar à indemnização do dano verificado, havendo por isso que proceder ao seu cálculo em termos gerais”.
[22] Obra citada nota 685.
[23] Proferido no Proc. nº 3968/01, e transcrito in Temas da Responsabilidade Civil, I Vol.: Indemnização do Dano da Privação do Uso, de António S. Abrantes Geraldes, 2 ª ed., Almedina, pp. 119 e ss..
[24] Veja-se neste sentido o Ac. da Relação de Coimbra de 06-03-2012 in www.dgsi.pt onde se faz o seguinte cálculo: Exemplo–Para um veículo que tivesse custado € 25.000,00 euros e estimando um período de vida de 10 anos, somando as despesas com revisões, reparações e seguros durante esses 10 anos, que se calculam em ¼ relativamente ao preço de compra, teríamos um valor diário de € 8,56 euros [(€ 25 000,00 + € 6.250,00) : (365 x10)]. Se o preço de compra tivesse sido de € 40.000,00 euros o valor subiria para € 13,70 euros; se tivesse sido de € 60.000,00 euros subiria para € 20,55 euros, etc.
[25] Obra citada, pág. 592, nota 1699.
[26] Como se refere no Ac. do STJ de de 3/05/2011 in www.dgsi.pt “A avaliação do dano em causa, se outro critério não puder ser adoptado, será determinada pela equidade, dentro dos limites do que for provado, nos termos estabelecidos no art. 566.º, n.º 3, do CC”.
[27] Metodologia da Ciência do Direito, pág. 335
[28] Col. Jur. Ano VI, Tomo I, pág. 65.
[29] A título de exemplo, pode verificar-se que no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Março de 2010, no processo n.º 1247/07.4TJVNF, o valor considerado foi de € 10,00 euros diários; no acórdão da Relação do Porto de 7 de Setembro de 2010, no processo n.º 905/08.0TBPFR, considerou-se também o valor de €10,00 euros por dia de paralisação; no acórdão da Relação de Coimbra, de 2 de Março de 2010, no processo n.º 27/08.4TBVLF, foi fixada a quantia de €8,00 por dia de privação (ver em www.dgsi.pt).

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